A Questão da Mobilidade com toda a Vitalidade Urbana.

O termo de gênese anglófona – Hora do Rush, que segundo o notório estudioso do léxico lusitano Aurélio Buarque de Holanda Ferreira significa: ”grande afluência de veículos, tráfego muito intenso em uma direção determinada…” vem perdendo ao longo do tempo a sua força e a sua intensidade de utilização. Não é que os brasileiros tenham perdido o gosto pelo estrangerismo, isso não é verdade, de fato continuamos, e os cearenses com destacada profusão, a utilizar os vocábulos de outros países mesmo sem termos ampliado o nosso domínio e conhecimento sobre os idiomas estrangeiros. Ainda são poucos os que conseguem se comunicar com razoável fluência em um idioma não pátrio, talvez até reflexo do tamanho de nosso país e da pouca proximidade que mantemos com os nossos vizinhos de língua espanhola. Utilizamos ainda a mesma prática dos romanos no período da Helenização, que ao conquistar os povos que eles próprios nominaram  Bárbaros, habitantes da Europa de então, no intuito de demonstrar sapiência e um pseudo letramento, pinçavam alguns termos dos também conquistados gregos, considerados cultos e devotos da arte, e os utilizavam nos seus diálogos diários.  Graças a esse uso cotidiano é que mantemos no português contemporâneo uma série de vocábulos de origem grega, além da grande maioria, é obvio – os nossos colonizadores lusitanos também fizeram parte do Império Romano, dos de gênese latina, mais populares pela própria característica dos romanos de então: legionários conquistadores, que tiveram na construção de pontes e de estradas, pela própria característica bélica de sua atividade primária, parte de seu grande legado para a história da humanidade.

 

O fato é que não há mais a Hora do Rush, pois enfrentamos os congestionamentos na grande maioria das horas, quando utilizamos tanto as vias arteriais, definidas nos espaços urbanos pelos planejadores de modo a unir as Unidades de Vizinhanças presentes nas cidades, como as vias expressas, desenhadas pelos urbanistas para ligar pontos extremos ou distantes na malha viária, essas devem possuir um fluxo prioritário de modo a possibilitar o desenvolvimento de velocidades mais rápidas com a devida segurança no transportar de carga e passageiros. Em verdade, só as vias locais, as que utilizamos nas saídas de nossas moradas, e as vias coletoras que cruzam internamente os bairros e que servem para escoar o tráfego produzido pelas vias locais, estão escapando ainda, em específicas zonas das grandes capitais, dessa densidade excessiva de veículos individuais de passageiros sobre a malha urbana. Não é uma questão de Fortaleza, ou das grandes metrópoles. Este cenário caótico é encontrado no Brasil, desde os grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro, como também nas pequenas metrópoles de Vitória e Natal. Até a grande Manaus e a pequena Boa Vista, situadas no longínquo Amazonas e no também distante Estado de Roraima, já padecem deste crescente desconforto social. As grandes cidades norte-americanas, interligadas por freeways ou highways, e as bucólicas européias, além das intensamente adensadas metrópoles do extremo oriente, enfrentam problemas de mobilidade urbana e acessibilidade, e desenvolvem políticas severas para mitigar suas causas e diminuir as conseqüências danosas para as populações de residentes e visitantes.

 

As cidades podem ter o seu nascedouro espontâneo, como é o caso da grande maioria delas e também o de Fortaleza, que surgiu a partir da fortificação holandesa de Schoonenboch, reconquistada pelos lusitanos e rebatizada com a denominação de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, que tinha por meta a defesa da costa brasileira, e especificamente da nordestina e da cearense, contra os ataques de estrangeiros. Literalmente, nós éramos somente a cidade da fortaleza, pois a base econômica de todo o Estado florescia no seu interior, nas fazendas para a criação de gado, localizadas nas regiões do Icó e de Sobral; animal este que depois de abatido era convertido em mantas de carne salgada, por meio de uma tecnologia genuinamente cearense – a charqueada, com a utilização do sal presente no vizinho Estado do Rio Grande do Norte e que chegava à nossa região nos lombos das mulas e dos jegues dos tropeiros. Essas peças de carne eram embarcadas pelos portos do Camocim e do Aracati e transportadas em pequenas embarcações – as sumacas, termo de origem holandesa – schmake, para alimentar as prósperas regiões do Brasil – as de cultivo da cana de açúcar. As cidades podem ter também o seu nascedouro planejado, como é o caso emblemático de Brasília e de sua vizinha Goiânia, da distante Belo Horizonte, situada nas Minas Gerais ou das próximas Teresina e Palmas, no Piauí e no Tocantins; ou mesmo da internacional Washington nos Estados Unidos, da tecnológica Ottawa no Canadá ou da longínqua Canberra, situada no continente Australiano.

 

Embora os nascedouros das cidades possam vir a ser espontâneos ou planejados, os seus crescimentos têm de ser submetidos a um processo intenso de gerenciamento humano. Utilizando uma analogia mais simplista, o desenvolvimento de uma cidade pode ser comparado com uma tropa de gado conduzida em campo aberto. Os planejadores, como os vaqueiros, definem diretrizes e rotas a serem seguidas, baseadas em objetivos comuns a serem atingidos, reflexo direto de um pensar coletivo; mas o gado como a população no espaço urbano, também tem o seu planejamento próprio e suas metas imediatas, que nem sempre coincidem com o caminhar do grupo e que, por esta razão, deve ser reconduzida à trilha inicial, planejada, em prol do bem maior de toda uma coletividade. Os valores priorizados na contemporaneidade nos distanciam muito dos nossos próximos. O mercado tem produzido celulares, laptops, televisores, quartos e carros com caráter eminentemente individual, o que acaba por dificultar os relacionamentos interpessoais e o convívio nos espaços urbanos. O ser humano contemporâneo tem priorizado  os relacionamentos virtuais, explorando as facilidades ofertadas pela tecnologia desenvolvida, em detrimento dos contatos presenciais, mais efetivos e afetuosos.

 

As questões de mobilidade e acessibilidade urbana se inserem no bojo do planejamento urbano e se materializam tanto em ações de caráter institucional – governamental, como em empreendimentos eminentemente individuais, de responsabilidade do cidadão, do morador e usuário da infraestrutura urbana ofertada. Fortaleza cresceu e se destacou no cenário do Estado, quando passou a servir de porto para os produtos agrícolas cultivados no interior do Estado, que eram depois transportados pela Rede de Viação Baturité e beneficiados no primeiro parque industrial da capital alencarina, localizado no bairro do Jacarecanga, lindeiro ao Centro Histórico. Esse material beneficiado era transportado por grandes embarcações diretamente para a Inglaterra para ser utilizado principalmente pela indústria têxtil. Fortaleza descobre a sua praia, pois o desenho lusitano nos distanciava do mar – local de operários portuários, meretrizes e de acúmulo de lixo, e lá constrói clubes sociais. O Brasil descobre o mar do Ceará, e o fenômeno da metropolização, induzido pelos planejadores, que se sentindo incompetentes para resolver os problemas de um país de dimensão continental, criaram Centros de Excelência que concentravam equipamentos urbanos ligados principalmente à saúde e à educação, o que culminou por polarizar toda uma região ou até mesmo o país, como é o caso de São Paulo. Os fluxos migratórios trataram de inchar essas cidades, impulsionados pela grande atratividade que estas passaram a causar. Fortaleza está entre elas, principalmente pelo efeito cumulativo de secas sucessivas no interior do Estado. A pobreza do campo contribui para o inchamento das periferias das grandes cidades, e acaba por ocupar também as áreas de risco, desvalorizada pelo mercado imobiliário pela impossibilidade legal de construção no local.

 

Com o crescimento da nossa cidade, se intensificam todas as mazelas do conviver urbano. Logo de inicio, a fuga do Centro Histórico para as periferias com maior qualidade de vida, e a decorrente dificuldade de mobilidade urbana. As cidades antigas foram desenhadas na escala do pedestre, onde todos os deslocamentos poderiam ser feitos a pé ou no lombo dos animais domesticados. As cidadelas, muralhas que protegiam algumas cidades antigas, eram erigidas de modo a garantir a plena comunicação entre os guardiões da fortaleza. A invenção do carro e da locomotiva a vapor inverteram toda essa lógica e, desde as distâncias entre as localidades e os deslocamentos dentro dos municípios, até as dimensões das próprias caixas das vias, como também a velocidade das atividades urbanas e a intensidade das relações sociais, sofreram intensa influência dessa nova tecnologia inventada para facilitar os deslocamentos. O homem passa a conviver mais com a indolência e a obesidade, por pura falta do exercício provocado pelos deslocamentos a pé.

 

Para o leigo, a questão da mobilidade urbana passa obrigatoriamente pelo aumento do sistema viário. Isso não é de todo uma verdade. O crescimento econômico do Brasil, associado ao comprometimento financeiro de um grupo muito grande de países, produzido por problemas internos na economia norte-americana, tem aumentado o rendimento de uma boa parcela de brasileiros, principalmente os das consideradas classes menos abastadas. A conseqüência natural deste fato, no mercado capitalista, é a aquisição progressiva e contínua de bens, entre eles os veículos para os deslocamentos dos familiares. Segundo o grupo de pesquisa Observatório das Metrópoles, coordenado pelo professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro da Universidade de São Paulo: “a frota de veículos nas metrópoles brasileiras dobrou nos últimos dez anos, com um crescimento médio de 77%. Os dados revelam que o número de automóveis e motocicletas nas 12 principais capitais do país aumentou de 11,5 milhões para 20,5 milhões, entre 2001 e 2011. Esses números correspondem a 44% da frota nacional”.

 

A solução do problema passa, em nível governamental, por uma maior oferta de transporte coletivo. Um veículo de passageiros em média está transportando, nas vias urbanas brasileiras, de um a dois passageiros. Se um ônibus pode transportar, em cada viagem, por volta de 45 pessoas e um trem 300, cada percurso desses transportes urbanos coletivos está retirando, no mínimo, 172 veículos individuais de passageiros. Imaginem o ganho para a diminuição do estresse provocado pelos engarrafamentos cotidianos e para a melhoria da qualidade de vida e do convívio nos espaços urbanos. O cidadão comum pode também colaborar para mitigar os impactos urbanos produzidos pelo excesso de veículos na malha viária, como também as corporações, as associações profissionais, as empresas de telecomunicação e as próprias universidades. A diferença de até 15 minutos no ingresso e na saída dos operários nas empresas pode impactar positivamente e colaborar para a diminuição dos engarrafamentos, principalmente se essas empresas e corporações possuírem um número significativo de operários. Cabe a imprensa divulgar, como já costuma ocorrer, os locais com maior fluidez de trânsito, de modo a direcionar os fluxos diários. Cada cidadão pode colaborar com o processo definindo horários e rotas alternativas para os seus deslocamentos, como também utilizando, de maneira racional, as modalidades de transportes ofertadas. O cidadão comum pode, por exemplo, sair de sua casa com sua bicicleta, deixá-la no estacionamento de um intermodal, pegar o seu trem, que permite o transporte de um número significativo de passageiros por um percurso limitado, descer e pegar o ônibus, que tem uma maior fluidez na malha urbana embora transportando uma quantidade menor de pessoas, e fazer seu último percurso a pé até o seu destino final. É claro que para isso o município deve prover o acesso a todos intermodais, até com preços diferenciados considerando o nível de exigência de cada perfil de cliente; além de fornecer a pavimentação conveniente e a cobertura vegetal devida, considerando as nossas médias térmicas mais elevadas, para os deslocamentos a pé. É papel da Universidade gerar o conhecimento e o socializar com a comunidade externa. A qualidade de vida do ser contemporâneo depende do conhecimento científico produzido nas academias e disponibilizado para o seu destinatário final, a população, por intermédio tanto das indústrias, das empresas comerciais e de serviço, como também, e principalmente, por meio dos profissionais que ela a todo ano forma.

 

A acessibilidade é um aspecto importante e primordial da mobilidade, podendo até ser destacado desta. É fundamental que o edifício e a cidade sejam projetados para todos. Os nossos espaços são eminentemente visuais, mas a arquitetura produz sensação tátil, as vias urbanas emitem ruídos, as cidades têm cheiros e as áreas verdes conferem sabores. Que viajante pode esquecer os ruídos madrilenos, os cheiros chineses, os gostos baianos ou mesmo a sensação desconfortável de frio provocada pelas paisagens canadenses. As cidades e os edifícios têm que ser inclusivos, úteis, conferir prazer e dar conforto a todos que os utilizam, não só aos cegos, aos com limitação motora ou mesmo aos surdos; mas têm que incluir e ter significado para os idosos, população que aumenta significativamente com o desenvolvimento dos tratamentos terapêuticos, aos de baixa estatura, que também têm direito de desfrutar das benesses edilícias, já que significativa parte deles também é economicamente ativa, ou mesmo que não o fosse teriam o mesmo direito de aproveitar de todo esse patrimônio edificado. Todos os espaços devem ser pensados também na perspectiva dos obesos, população cada vez mais consciente de suas limitações e buscando qualidade de vida; e finalmente deve ser concebido e construído para a criança, herdeira final do legado que a sociedade adulta produtiva estiver construindo no mundo contemporâneo.

 

Uma resposta

  1. Excelente texto, pena que os planejadores urbanos fazem seus estudos através da coleta análise e proposição de acordo com os dados levantados corretamente, para melhorar as cidades em todos os seus aspectos,esses planos tem que ser aprovados pelos órgãos públicos e implantados por políticos, em sua maioria prefeitos, e esses muitas vezes visam grupos de apoio, adaptação do proposto aos seus interesses políticos junto a seus eleitores, e desvirtuam de uma forma que a abrangência do proposto, se dilui nesse emaranhado que é a burocracia e a política brasileira. Assim é o fim da maioria dos Planos Diretores e projetos urbanísticos.Precisamos todos mudar o nosso país. Parabéns !!!!!

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